Autoridade Nacional de Proteção de Dados é transformada em autarquia especial

Na data ontem, 14 de junho, foi publicada a Medida Provisória (“MP”) nº 1.124/22, que transformou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (“ANPD”) em uma autarquia de natureza especial.

Com esta alteração, a ANPD não terá mais caráter transitório previsto no art. 55-A, § 1º da Lei Federal nº 13.709/18 (“Lei Geral de Proteção de Dados” ou “LGPD”) e será dotada de autonomia técnica, decisória e orçamentária.

A estrutura organizacional e as competências da ANPD permanecem as mesmas, porém a Autoridade deixa de ser órgão integrante da Presidência da República.

O que muda para a proteção de dados no Brasil?

Além do comando legislativo previsto na própria LGPD, que, em seu art. 55-A, § 2º, estabelecia a transitoriedade da natureza jurídica da ANPD e abria o caminho para sua transmutação em autarquia especial, é importante observar que a ANPD está em franca operação de monitoramento e fiscalização, além de já promover, desde o início de seus trabalhos, a regulamentação da LGPD.

Sua atuação independente, ainda que a lei tenha estabelecido apenas caráter técnico e decisório à sua autonomia administrativa, acabou se tornando uma imperatividade, especialmente em face dos desafios institucionais que o órgão poderia enfrentar a partir do momento em que passasse a autuar e punir tanto o poder público, como entidades privadas, tais como empresas, organizações da sociedade civil, condomínios e agremiações políticas, para citar alguns.

Além disso, há ainda o pleito do Brasil para ingressar na OCDE, o que demanda uma mudança no sistema regulatório nacional de proteção de dados, especialmente no que toca à presença de um órgão regulador efetivamente autônomo.

Outro ponto relevante é o reconhecimento do Brasil como país adequado, nos termos do Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia, fonte em que se baseou o legislador brasileiro. Em meio a um processo de regulamentação sobre a transferência internacional de dados, pela ANPD, faz todo sentido avançar, passo a passo, rumo à direção de um cenário de declaração do país como adequado em proteção de dados pessoais.

Por fim, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 115, que tornou a proteção de dados um direito fundamental, passou a ser ainda mais urgente e necessária a mudança da natureza jurídica da ANPD, especialmente para conferir maior segurança jurídica e administrativa ao órgão: porque, afinal, a ANPD é o órgão da União a quem compete materializar o exercício da competência administrativa prevista no art. 21, inc. XXVI, da CF, ou seja, é através da ANPD que a União deve “organizar e fiscalizar a proteção e o tratamento de dados pessoais”.

Note-se que o processo sancionador, que cabe à ANPD impulsionar sempre que constatadas infrações à LGPD, está na iminência de ter seu arcabouço normativo completo: falta pouco para a edição do regulamento de sanções e metodologias que estabelecerá a dosimetria e formas para o cálculo da pena de multa.

Tivesse sido mantida na condição de órgão da Presidência da República, pertencente à administração pública direta, a ANPD poderia enfrentar questionamentos jurídicos e, consequentemente, ter suas punições administrativas anuladas em processos no âmbito da Justiça Federal, provocados especialmente pelas Procuradorias federais, estaduais, distritais e municipais em todo o país, na defesa os entes públicos sancionados.

Diante de tantos cenários convergentes a um ponto relevante do sistema regulatório, fica evidente o atendimento dos requisitos da urgência e relevância na avaliação do Congresso Nacional para a edição desta MP.

Já quanto ao mérito da proposta, as inovações não são nada singelas: a mudança da ANPD para autarquia federal de regime especial a equipara a outras entidades de natureza similar, como as agências reguladoras e o Banco Central do Brasil.

Preserva sua organização administrativa e sua autonomia, reforçando a estabilidade institucionais de sua diretoria, que já têm mandato e são escolhidos após sabatina pelo Senado Federal, e o funcionamento de suas estruturas internas. Aliás, a única alteração relevante nesse aspecto é a transformação da assessoria jurídica em Procuradoria, compatibilizando com outras estruturas federais.

Também dota a ANPD de personalidade jurídica de direito público interno, compatibilizando com a legislação civil (art. 41, inc. IV, CC), dando-lhe inclusive capacidade processual para acionar o Poder Judiciário na defesa de direitos coletivos em sentido amplo e difuso, podendo mover ações civis públicas (art. 5º, inc. IV, Lei nº 7.347/85).

Esse talvez seja dos reflexos mais relevantes em termos práticos: agora, a ANPD passa a ter legitimidade processual para promover ações judiciais na defesa dos interesses da sociedade, em matéria de proteção de dados que lhe é afeta, inclusive ajuizar medidas cautelares, como ações de busca e apreensão de bens e documentos, de suspensão de atividades de tratamento de dados pessoais, até de afastamento de dirigentes e, por que não, de encarregados pelo tratamento de dados pessoais.

Por meio dessas ações, a ANPD poderá pleitear, em juízo, reparação de dano moral coletivo, além de promover a exequibilidade do cumprimento de sanções administrativas decretadas pela entidade após findo o processo administrativo sancionador contra entidades públicas e organizações privadas.

Importante destacar que não se aplicam as robustas regras da nova Lei das Agências Reguladoras à ANPD, uma vez que esta, embora se torne autarquia de regime especial, não está sendo transformada em uma agência

Provavelmente, quando muitos sustentaram a importância da autonomia administrativa da ANPD, podem não ter enxergado essas novas capacidades postulatórias, típicas da estrutura processual e material do direito regulatório e administrativo brasileiro.

Aliás, deve-se ter em conta que, agora, a nova autarquia tem plenas condições jurídicas e administrativas de instituir, no futuro, unidades regionais em todo o Brasil, bastando, para isso, ter condições financeiras e orçamentárias, aproximando a ANPD de todos os espaços territoriais, o que poderá levar a uma atuação regulatória e até mesmo contenciosa administrativa ou judicial bastante expressiva.

Mas fato é que, com a mudança da ANPD para autarquia especial, somente perdem aqueles que ainda insistirem em negligenciar ou ignorar o cumprimento das regras de proteção de dados.

Para acessar a íntegra da MP, acesse o link.

Fonte: Suporte Gestão – SEG ADVOGADOS ASSOCIADOS, em 15/06/2022.

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